Folha de S. Paulo - Ricardo Westin 19.1.2009
Os brasileiros que não enxergam também têm suas dúvidas nos acentosque caíram e nos hífens que apareceram ou desapareceram na virada doano, quando as regras impostas pelo Acordo Ortográfico entraram emvigor no país.Tudo o que mudou no português escrito mudou da mesmíssima maneira noportuguês convertido em braile, o sistema tátil usado por cegos domundo inteiro para ler e escrever."Todos nós memorizamos as palavras na grafia antiga. Agora precisamosreconstruí-las na memória com a grafia nova. A diferença é que vocêsfazem isso com os olhos e nós [cegos], com os dedos", explica Maria daGlória Almeida, chefe-de-gabinete do Instituto Benjamin Constant, noRio, dedicado às pessoas com deficiência visual.O Acordo Ortográfico tem impacto no braile porque as palavras dessesistema também são escritas letra a letra. Uma letra tem até seispontinhos em alto relevo. Cada uma se forma com um número e umadisposição própria de pontinhos.Os acentos e o trema mudam esse arranjo. O dedo treinado de um cegosente a diferença entre "ü" e"u" e entre "a" e "á".Se "microonda" agora é "micro-onda" , a mesma palavra no braile deixade ter nove caracteres salientes e passa a ter dez -o hífen têm seuspontinhos característicos.As mudanças ortográficas haviam sido definidas em 1990 por países quetêm o português como língua oficial. O objetivo do Acordo, agoracolocado em prática no Brasil, era unificar a escrita do português etorná-lo mais forte no cenário mundial.Nas escolasSegundo a Organização Mundial da Saúde, 0,5% da população do planetanão enxerga. O Brasil teria, por essa conta, 950 mil cegos -oequivalente aos moradores de Cuiabá e Florianópolis somados.As escolas brasileiras têm, de acordo com o Ministério da Educação,pouco mais de 8.600 alunos cegos, a maioria deles nas mesmas salas decrianças e adolescentes que enxergam.As lições de braile são dadas fora do horário regular de aula enormalmente vão até a 4ª série, época em que as crianças já conseguemdominar o sistema."As nossas preocupações agora são orientar os professores e garantirque a produção dos livros didáticos em braile esteja compatível com anova grafia", afirma Martinha Clarete Dutra, que responde, noMinistério da Educação, pelas políticas de inclusão.Martinha é cega. "Apesar de lidar com esse tema todo dia, ainda mepego escrevendo na grafia anterior. Estamos tão habituados.. . Sódepois lembro que aquele acento não existe mais", ela conta.Por enquanto, não está errado escrever na forma antiga. Até dezembrode 2012, as grafias novas terão de conviver com as velhas -será umperíodo de transição. A partir de 2013, porém, só serão aceitas comocorretas as novas regras.A língua dos sinais, usada pelos surdos, não foi afetada pelo Acordo,já que cada gesto normalmente representa uma palavra inteira.Disponível em: www.abrelivros. org.br/abrelivro s/texto.asp?
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