Conheço muitos cegos e quase todos precisam mostrar ao mundo que são capazes de realizar tarefas cotidianas como qualquer outra pessoa. São provações necessárias e íntimas, como os videntes também precisam mostrar às suas. Pois bem, a diferença maior nestas provações são os reflexos destas ações. Fazemos isso, nós videntes, esperando que o outro (qualquer indivíduo que esteja vendo o que fazemos) seja a nossa platéia. Nosso troféu é a preparação para o próximo prêmio (um ser endomorfo) na esperança de um novo reconhecimento. Aproveitamos os nossos prêmios de uma forma muito "normal", deixamos os sabores da vida para um momento especial: aposentadoria, férias, lua de mel, sexta-feira à noite. Esquecemos do percurso, do que acontece "quando estamos fazendo", olho no olho, um tempinho à mais.
Com os cegos (e outros deficientes) a relação é "hedonista", a entrega é mais temporal, o escutar (até porque isto é uma necessidade vital para os cegos) é mais musical, mais melódico. Ao escutar te reconheço, te desbravo, gozo. Dizem eles (os meus amigos, pelo menos), "já perdi muito na vida, não quero perder mais este momento" A relação do reconhecimento é: me reconheça como um cego bacana e natural, sem firulas". O tempo espera, não sei quando vou te "ver" de novo. Para te "ver", preciso te escutar. Não é bárbaro esta forma de se relacionar com o outro - ESCUTANDO. Silêncio mundo, estamos conversando, preciso parar, desligar o celular, adiar os compromissos (parecido com a propaganda de um tênis) e escutar meu amigo. Tudo está transferido, menos a escuta. Por que nós, viventes e videntes, não fazemos isso? Porque precisamos de mais informações visuais, mais poluição, novos prêmios.
Deixo uma pergunta: qual a diferença entre ver e enxergar?
Para os meus amigos: videntes, cegos e os próximos que virão e para os que já se foram.
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