A palavra inglesa
hell (inferno) é supostamente cognata de
hole (buraco) - e o buraco do escotoma é, de fato, uma espécie de inferno: um estado existencial, ou metafísico, em verdade, mas que, com toda a clareza, tem base e determinante orgânicos. O alicerce orgânico da "realidade" é removido, e é nessa medida que caímos em um buraco - ou num buraco-inferno, se nos permitirmos tomar consciência disso (o que muitos pacientes, compreensivelmente, por defesa não fazem). Um escotoma é um buraco na própria realidade, um buraco no tempo tanto quanto no espaço, e poranto não pode ser concebido como tendo um fim ou um extremo. Assim como encerra a qualidade de um "buraco na memória", de amnésia, ele também encerra uma sensação de atemporalidade, de infinitude. A qualidade de atemporalidade, de limbo, é inerente ao escotoma.
Isso seria tolerável, ou mais tolerável, se pudesse ser comunicado a outras pessoas e se tornasse alvo de compreensão e simpatia - como o luto. Mas me foi negado quando o cirurgião disse "Nada", e com isso fui jogado em mais um inferno - O INFERNO DA COMUNICAÇÃO NEGADA.
Oliver Sacks.
O trecho acima, do livro "Com uma perna só", mostra muito bem o que muitos de nós sentimos quando a ciência "Nada" explica. O "buraco" é o resultado de toda essa negação, por isso somos órfãos, solitários, pequenos - "se fitares o abismo, ele por sua vez te fitarás" (Nietzsche)